quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

play

Mais uma semana, mais uma voltinha. Com a aproximação dos Oscars - e com o desejo de não acumular demasiados filmes sem vos falar deles -, cá está mais um post com 3 dos filmes nomeados.

Silêncio (7,6 IMDb)
Claro que sendo Scorsese e um filme sobre personalidades portuguesas que fizeram parte da História de Portugal e do Mundo, fiquei com alguma curiosidade. Mas a verdade é que o trailer não me aguçou o interesse e a temática também não é propriamente a minha "onda".

O filme conta a história de dois padres jesuítas portugueses que partem para o Japão depois de saberem que um outro padre - Ferreira - se havia convertido ao budismo, a religião predominante daquela região. O maior problema é que os japoneses andavam a "caçar" cristãos e a torturá-los até morrerem ou até se declararem ateus ou budistas. Todos os praticantes e crentes da religião católica teriam o mesmo fim, independentemente da sua nacionalidade.

O filme chama-se Silêncio e eu compreendi a metáfora que Scorsese quis fazer. Mas também acho que é demasiado barulhento e chega até a ser pindérico. Desculpem, mas é a minha opinião. Há certos pormenores do filme que acabam por descredibilizá-lo. Mas vamos por partes. 

O filme é poderoso, os cenários da época estão incríveis e todas as personagens conseguem transmitir a sua mensagem, até o "Judas", aquela personagem que serve também para desanuviar o drama. É um filme muito duro, cheio de fé e momentos de incerteza, de desespero, de desalento, onde essa mesma fé cega começa a ser questionada. E é aqui que se torna tão interessante. Nesses momentos levantam-se questões profundas, muito íntimas, muito reprimidas sobre a fé, o que é moral e imoral, o que prevalece numa situação de vida ou de morte - preferimos viver, ou continuar a defender os nossos ideais sabendo que assim é a morte certa?. Penso que mais do que um filme sobre religião, é um filme sobre a busca interior da identidade, do lugar no mundo, do propósito da vida. Não é, portanto, adequado para se ver a um domingo à tarde.

Por outro lado, Scorsese tem tanta ânsia de transmitir a dor, o sofrimento, o sacrifício extremo das personagens que acaba quase por cair no ridículo de tanto exagero. Por exemplo, a imagem de Jesus refletida na água (e noutras circunstâncias). Há uma série de cenas que são too much e acabam por quebrar a violência e a dor em que nos inserimos. Pelo menos isso aconteceu comigo, que não me identifiquei com aquela descrição. Na minha opinião, Scorsese deveria silenciar mais o geral e focar na interpretação dos atores, deixá-los transmitir tudo o que estão a sofrer. Isso acaba por não acontecer porque são "abafados" pela ânsia do realizador de ter a certeza de que a mensagem é transmitida.

Por fim, vou dizer-vos qual é a minha parte favorita neste filme: é que não há bons nem maus. Os japoneses explicam a sua versão, mostram a sua religião e o seu ponto de vista. Há uma parte em que um japonês diz ao padre jesuíta que eles "invadiram" o país e nunca se interessaram em fazer parte dele, em compreender a cultura, a religião e a vida das pessoas. Diz também que a religião católica não floresce no contexto japonês, que eles veneram imagens, objetos e pessoas e não têm uma fé como a católica apregoa nem vêm Deus da mesma maneira que os católicos vêm, mesmo que não se apercebam disso. E isso é tão fascinante... Ou seja, não há fundamentalismos e o filme não é católico. Gostei mesmo muito. Mas não quero acreditar que é a obra da vida do Scorsese. Ele é capaz de mais e melhor.


Arrival - O Primeiro Encontro (8,2 IMDb)
Não ia com expectativas. Tinha visto o trailer e pensado "Oh, é um pequeno avanço da Guerra dos Mundos, mas não deixa de ser uma Guerra dos Mundos". Como estava enganada... Que filme incrível, que história, que dinâmica... E que Amy Adams que nos aparece aqui... Mas vamos lá organizar as ideias.

O filme conta a história de uma invasão extraterrestre e o governo americano convoca uma professora de Linguística e um Físico para estabelecerem contacto com os habitantes da nave e perceberem o propósito da sua visita ao nosso Planeta.

Bem, em termos técnicos o filme é muito interessante. Por incrível que pareça não há grande "especialidade" aqui. Como assim? Eu explico. Quando vamos ver um filme de ETs, estamos à espera de grandes efeitos especiais, de guerras mundiais, de incríveis criaturas... Esqueçam. Aqui não há nada disso. Aqui há uma nave e sombras. Porque apesar de tudo o foco do filme e da história não está nas criaturas, nem sequer nos humanos. Está no poder da comunicação. E tudo gira em torno disso. Eles comunicam de uma forma completamente diferente da nossa - por imagens abstratas sempre representadas em circunferências idênticas - que a dra. Louise deve descodificar e comunicar com eles da mesma forma. E todo esse processo de relação, de investigação, de teste, de pesquisa e de contacto é relatado. E é incrível, do ponto de vista de alguém que estuda a comunicação, perceber que, de facto, ela pode salvar o mundo e também pode destruí-lo - se não for bem interpretada e contextualizada.

A Amy Adams está muito bem neste papel. E é só. Não me parece que as restantes personagens estejam ao mesmo nível - e também não tiveram grande hipótese de brilhar. Tem ao todo 7 nomeações para os Oscars sendo que 2 delas são para Melhor Filme e Melhor Realizador. Não acho que haja grandes esperanças em nenhuma dessas categorias. Acredito mais nas áreas técnicas que se referem ao som, e mesmo assim... O que não significa que não devam ver este filme. Devem! Devem sim! E estejam atentos aos detalhes e às forma de como é trabalhada a comunicação. Essa é a magia do filme.


Elle (7,3 IMDb)
Este filme francês conseguiu a façanha de ser nomeado para os Oscars através da atriz Isabelle Huppert. Vi-o antes de saírem os nomeados do ano só porque vi o trailer e li algumas sinopses e fiquei, de facto, curiosa. Não estava errada. O filme é ótimo, com uma narrativa muito diferente da hollywoodesca, uma visão fresca, com twist, e com aquele je ne sais quois francês que faz toda a diferença. Os cenários são lindos e luxuosos, a dinâmica do discurso é muito boa, sem nos deixar aborrecidos nem nos confundir com demasiadas coisas a acontecer, as personagens são sólidas, o diálogo é maravilhoso, cheio de piadas subtis, as histórias entrelaçadas são muito bem contadas e interligadas à principal... E quando achamos que já estamos mesmo a ver como é que isto vai acabar, a história sofre uma reviravolta, e depois sofre outra, e mais outra. E chegamos ao fim de boca aberta e a pensar "Fo****!" Eu adoro isso.

Neste caso em particular, a essência do filme é Michèle, a personagem principal que é fria, calculista, sexy, independente, disciplinada, pragmática e cheia de traumas de infância que tenta, a todo o custo, reprimir. Tudo começa quando esta personagem é violada na sua própria casa.

No final eu pus-me a pensar (agora vem um SPOILER) que provavelmente ela é tão psicopata como o seu pai. Que eu acredito que em alguns casos - se não em todos - a psicopatia já nasce com a pessoa, é uma questão neurológica e não apenas contextual. Neste caso, ela tem as duas vertentes. É nada mais, nada menos, que uma psicopata reprimida. Chego a esta conclusão porque a personagem gosta do sofrimento, de impingir sofrimento aos outros e nunca se sente-se arrependida ou "tocada" com a dor alheia e consegue, na boa, ignorar a sua.

É uma história interessantíssima, que fala muito nas entrelinhas e toca em graves problemas da sociedade contemporânea através das histórias paralelas - que existem e são ótimas - e que no final deixam a audiência a pensar. Eu já vi este filme há 1 mês e ainda penso nele. Não me acontece muitas vezes.

Vale a pena, viu?


Sticky&Raw
Facebook | Instagram | 
stickyandraw@live.com.pt

Sem comentários: