segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

superescândalo


Não sou muito de ver televisão. Quando vejo, puxo sempre um filme, um episódio, um documentário ou um programa que queria ver para trás. Ver TV portuguesa é assim para lá de raríssimo.

Quando ouvi dizer que ia começar um novo programa da SIC liguei tanto a isso como quando alguém me diz que vai abrir um novo McDonalds aqui ao lado: interesse igual a zero. No próprio dia nem me lembrei sequer que esse programa estava a passar. Estava muito mais interessada no grande filme que estive a ver. No dia seguinte foi o fim do mundo em cuecas nas redes sociais. Toooooda a gente tinha alguma coisa a dizer sobre aquele programa, sobre a Nanny, sobre a criança do demo e respetiva família, sobre a SIC, a produtora, os patrocinadores, a CPCJ... Enfim, farpas para todo o lado.

Eu mantive-me caladinha como um rato. 
Não vi o programa nem tinha qualquer intenção de ver.

A semana foi passando e a polémica aumentou de tom. Meteu decisões da CPCJ, famílias a querer desistir do programa e a tentar proibir a SIC de passar as imagens dos seus filhos - que foram filmados com a permissão dos pais, acredito. Todo um pandemónio instalado que não mostrava sinais de sossegar. Depois houve o ultimato: a SIC tinha dois dias para eliminar as imagens do programa. Ora que aí eu senti que talvez pudesse estar a perder o acontecimento do mês e, na sexta-feira, puxei o programa atrás - não fosse o diabo tecê-las e depois já não conseguir ter acesso às imagens.

Estava preparada para tudo: tortura chinesa, tortura do sono, insultos, pancadaria, abusos vários - estou a ser irónica gente, calma - mas o que eu vi foi muito simples. Vi:
1) um reality show com um guião definido, com muito sensacionalismo e edição de imagens;
2) uma criança igual a tantas outras que por aí andam, cheias de vícios e manhas, cheias de mimo e de falta de educação, fruto de uma educação onde não deve ter ouvido muitos "nãos";
3) uma mãe desesperada com as atitudes da filha, cansada e cheia de boas intenções;
4) uma apresentadora com ar formal a debitar algumas noções básicas sobre pedagogia.

No final do programa fiquei incrédula com tudo o que fui lendo ao longo da semana. Prometeram-me o drama, a tragédia, o horror e acabei por receber um programa estúpido em que apenas se coloca aqui uma questão:

Até que ponto é que os pais podem, moralmente, expôr os seus filhos desta forma?

E reparem que eu digo moralmente, porque legalmente, que eu saiba, podem. Não há nada na lei que os iniba explicitamente de os inscrever em programas televisivos. Há anos que temos visto na televisão vários programas em que são os próprios pais a inscreverem os filhos (Chuva de Estrelas, MasterChef, Buéréré, e programas de canais públicos como Quem Tramou o Peter Pan e outros). Bem sei que os resultados sociais/emocionais/cognitivos para a criança são diferentes quando comparamos os formatos, mas o cerne da questão é o mesmo. A premissa aqui não é se os pais podem ou não podem. É se os pais devem ou não devem. E nesta questão do moralismo e da educação, todos nós pensamos de forma diferente. 

E digam-me lá, quantas vezes se indignaram a ver o Chuva de Estrelas? Hum?

Não pensem que estou a defender o programa. Não estou. Não acho que seja pedagógico nem consigo ver qualquer vantagem neste formato que não o das audiências - como se tem vindo a notar. Para mim faria sentido sim se o formato fosse mais género de documentário. A ideia é que poderia existir na mesma uma educadora/psicóloga/pedagoga/whatever em que analisasse comportamentos reais, de crianças reais, que fossem escolhidas aleatoriamente e a sua identidade fosse devidamente salvaguardada (claro, sempre com a permissão da família). Não interessava se era a Margarida, a Joana, o Vasquinho ou o Manel. Por exemplo, birras em lugares públicos como supermercados, restaurantes, parques de lazer, ou em casa. E depois de analisadas as situações, abria-se um debate sobre quais seriam os melhores procedimentos para travar ou atenuar estas situações. O espectador em casa ficaria esclarecido, as crianças salvaguardadas e havia aqui algum serviço público de qualidade. SIC, pega na ideia e não digas que vens daqui.

Quais foram as principais críticas apontadas ao programa?

1) A mãe nunca deveria expôr a filha neste contexto. Deveria ter procurado ajuda de um profissional e não vir para a televisão.
Bom, se já procurou ajuda eu não sei. Concordo que sim, que ela deveria primeiro ter recorrido a serviços de psicologia em vez de um programa de TV. Não o fez? Não sei. Vocês sabem? Vocês sabem o que é que aquela mãe já tentou? Eu não!

2) Ela só fez isto por dinheiro.
Por 1000€? A sério? Acham que foi o dinheiro que esteve à frente disto tudo? Eu não me exporia assim por dinheiro nenhum, muito menos por 1000€.

3) Ela só fez isto para ficar famosa.
Famosa por ter uma filha problemática? Por não conseguir dar-lhe educação? Não me parece que seja a ambição de muitas pessoas nesta vida...

4) Que raio de tortura é aquela a do banquinho?!
Bom, também eu já me fui sentar no "banquinho" várias vezes. Uuii, tantas vezes. No meu caso não era o banquinho mas sim "ir para o corredor pensar". E tinha que me sentar no CHÃO. Escândalo. Anos a sentar-me no chão, sozinha, no corredor a pensar na vida... Ou virada para o muro, se estivesse no pátio... Anos disto. Ó para mim, super traumatizada da vida... E não era a Nanny que me punha de castigo, era a minha educadora do jardim de infância (e mais tarde do A.T.L.). Muito mais tempo e por muito menos, senhores! Sou uma vítima.

5) Que disparate compensar a criança por se comportar bem! Para bem até era! A Nanny não percebe nada disto. Só disparates...
Minha boa gente, nesta questão da educação acredito que não haja certos nem errados. Há casos e casos. Se isso não funciona com o vosso filho, há-de ser bastante positivo para o filho de alguém. Como? Não têm filhos? Então não digam que "dessa água não beberei".

6) Irritou-me tudo o que a Nanny disse.
Pronto, passem à fase dois. O que a Nanny diz não se escreve e todos nós temos a liberdade de concordar, de discordar, de experimentar ou de dizer "não, obrigada!". E vão ver que depois de aceitarem isso, cada um vai à sua vidinha em sossego.

Em resumo:
A Nanny não disse barbaridade nenhuma. Também não descobriu a pólvora. Todas as táticas utilizadas por ela já foram utilizadas em mim no infantário e no A.T.L há uns bons anos atrás (poucos anos, diga-se). Para uns resultava muito bem, para outro nem tanto. A Nanny não estava ali para ditar uma verdade absoluta nem a fórmula mágica para termos crianças educadas. Estava a resolver um caso em particular com noções básicas e acessíveis a todos de pedagogia. Ponto. Não fez nada de mal, não ofendeu ninguém. Podem e estão no vosso pleno direito de discordar por completo e educar de forma totalmente diferente. Assim como assim, o que ela disse não é lei. Mas acredito, com sinceridade, que vai ajudar muitos pais e que fez com que muitos deles testassem essas táticas nos seus filhos - provavelmente os primeiros a fazê-lo, foram também os primeiros a criticar o programa.

- Tirando esta questão em cima, o programa não acrescenta nada ao público. Nada. Não há necessidade de vermos na televisão o que vemos todos os dias num supermercado na secção dos brinquedos.  Num outro formato, tal como disse, até aceito e concordo. Assim, não.

- Vamos deixar de ser uns revoltadinhos com tudo nesta vida? Vamos começar a relativizar? É que esta foi a oportunidade perfeita para falarmos do que é ou não é moral na educação da criança, até que ponto é que os pais são "os donos" dos filhos e outras questões absolutamente pertinentes neste momento sobre o tal "superior interesse da criança". Mas não. Mais uma vez, perdemo-nos em pormenores parvos e sensacionalistas, no apontar de dedos, nos julgamentos rápidos e nos convictos "eu nunca!". É assim que se perdem grandes oportunidades de crescermos como comunidade e como indivíduos.

Para terminar, e já me estou a alongar, o SuperNanny podia acabar. Mas a questão essencial mantém-se. Se não concordam, se acham abominável, não vejam. Mas ainda assim foi o programa com mais audiências no domingo... Ups...


Sticky&Raw
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